5 de jan. de 2008

De férias em Cambuí

Como o Cae já disse, o pessoal do Blog está de férias. Cada um no seu canto, dentro da sua respectiva tranquilidade. Eu estou em Minas, na casa dos meus avós maternos, e paternos também, moram a poucos quarteirões. Mas é na casa dos avós maternos que eu fico "hospedado".

Meu avô materno, João, já é aposentado, na verdade todos meus avós o são. Mas a questão é que diferentemente do meu avô paterno, Elias, que ainda vai pra rua e eventualmente pra roça tirar leite, meu Vô João fica quase que 100% do dia dentro de casa lendo e assistindo televisão. Ex-combatente, a literatura dele é quase toda voltada para temas da Segunda Grande Guerra. Sejam livros sobre Eva Braun, que meu tio deu de Natal pra ele, sobre os torpediamentos na costa brasileira, que eu dei de aniversário, ou sobre os generais de Hitler, que ele comprou por conta própria no Submarino, meu avô só lê coisa de guerra.

Quando o assunto é TV só três coisas o agradam: TV Senado, TV Câmara e telejornais, qualquer telejornal. A rotina dele é basicamente acordar; ler a manhã toda; assistir o Jornal Regional, Globo Esporte e Jornal Hoje; ler mais um pouco; assistir Cidade Alerta ou qualquer coisa do gênero que esteja passando no mesmo horário; assistir o Jornal da Band, depois o Jornal Nacional, e por fim o Jornal do SBT. Obviamente, com um bom senhor de 85 anos que é, ele dá suas dormidinhas durante o percurso, sentado em sua confortável cadeira de couro que minha mãe, minhas tias e tio deram pra ele.

Mas eu não escrevi esse post pra contar a vida do Vô Jão, escrevi pra contar sobre o dia de hoje. Estava sentado na sala escrevendo meu post para o Blog do Baiano, Polegar Opositor, que eu já recomendei aqui, quando meu vô liga a televisão com o volume numa puta altura. Um som absolutamente insuportável. Ouvindo mal e com sua cadeira longe da TV, essa é a única possibilidade dele conseguir ouvir bem qualquer coisa. E a casa aqui também é bastante barulhenta, tem um supermercado logo no terreno de baixo que mantém um refrigerador ligado 24 horas por dia e faz um barulho horrendo. Dessa forma até eu que estava praticamente em outro cômodo consegui escutar e entender tudo que se passava.

Enfim, ele ligou a TV justamente no Cidade Alerta. O Datena, grande e gordo Datena, está de férias ou com alguma pendenga judicial. Quem apresenta o programa é um outro sujeito. Hoje o assunto do dia era a nova ossada descoberta próximo ao local onde Liana Friedenbach e Felipe Caffé foram mortos por Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, na época com 16 anos. Teoricamente tal ossada pertenceria a uma outra vítima de Champinha, Manoel Oliveira de Souza, caseiro de uma propriedade local. Ele teria sido assassinado por Champinha em 2003, poucos meses antes de Liana e Felipe, juntamente com um comparsa, Manoel da Faca, que pelo que me consta foi morto em 2006. Além de matarem o caseiro os dois teriam forçado o irmão da vítima a enterrar o corpo. Uma segunda vítima, ainda não identificada, também estaria enterrada no local. Não me lembro exatamente se foi o irmão quem se entregou ou se uma denúncia anônima levou até ele, o negócio foi quem alguém escreveu uma carta para a polícia, que por sua vez chegou até este irmão. Ele ajudou a polícia a localizar o primeiro corpo. Mas o que eu quero comentar também não é isso.

(Foto: Filipe Araújo/AE)

Ontem o Cidade Alerta mostrou as mordomias de que Champinha desfrutava. Hoje com 19, ele cumpriu na antiga Febem parte de sua pena, e ao fazer 18 anos foi enviado para uma instituição mental ligada a Fundação Casa, a nova Febem. Lá estaria sendo tratado muitíssimo bem. Com direito a acompanhamento psicológico, medicação, comida, casa equipada com televisor de 29 polegadas, geladeira, fogão, forno, quadra e até um videogame. Champinha, segundo um dos monitores da instituição, não faria nada além de acordar tarde, jogar videgame, futebol e voltar a dormir.

Bem, tal denúncia teria levado o denunciante a escrever a carta, que por sua vez incriminaria Champinha de um novo crime. 1+1=2. Caso tivesse preso por este crime Liana e Felipe estariam possivelmente vivos, gozando os prazeres da vida que foram impedidos de gozar pelo marginal. Este, por sua vez, possivelmente não estaria gozando da boa vida que leva. Não sei se o intúito do programa era esse, mas foi isso que ele me levou a pensar. Além disso, outras conclusões se fazem possíveis.

A Fundação Casa estaria gastando muito com seus internos, dando a eles uma vida que muitos brasileiros não tem. Teto, conforto e 5 refeições diárias. Ora, que absurdo é esse? Mas ao mesmo tempo que questiona tais gastos do Governo do Estado, o Cidade Alerta alerta para as condições degradantes nas quais os internos dos presídios do Brasil todo são submetidos. Não passa de uma escola de criminosos, alerta. Mas afinal, se não podemos tratar bem nossos presos por gastarmos dinheiro público e nem mal por estarmos colaborando ainda mais para a formação de novos marginais, como devemos trata-los?

A opção que o Cidade Alerta e seu Datena-postiço parece nos reservar é a morte, já que um meio termo não é sequer levantado. Devemos matar nossos presos, parece não haver outra solução. O que de certa forma acentua ainda mais a violência de nossa sociedade. Essa loucura toda me lembrou o texto da Le Monde Diplomatique Brasil sobre a greve de fome do padre nordestino pela não transposição do rio São Francisco.

No entanto, mesmo com tal texto em mente, ainda não consigo chegar a uma conclusão quanto a violência no Brasil. Aposto que não sou o único. Estariamos tão afundados nela que reações violentas legitimadas só são percebidas pela socidade quando jogadas de forma também violenta em sua cara? Vide Tropa de Elite. Seria necessário assassinar criminosos diante das câmeras para que possamos perceber a ignorância com que tratamos os criminosos. Não estou aqui para defender Champinha, que aparentemente assassinou no mínimo 4 pessoas. Ele deve sim pagar pelos crimes que cometeu de maneira justa e rigorosa, o que questiono é justamente a medida do "justo" e "rigoroso".

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4 de jan. de 2008

Caos no Quênia

Vídeo feito pelo NY Times direto do Quênia.

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30 de dez. de 2007

Retrospectiva 2007

Decretos, lembram deles...

Relação dos decretos de Serra, retirada do site da ADUNESPhttp://www.adunesp.org.br/decretos.html

- Decreto nº 51.535 - Dá nova redação ao artigo 42 do Decreto nº 51.461, de 1º de janeiro de 2007, que organiza a Secretaria de Ensino Superior e dá providência correlata.

- Decreto nº 51.460, de 1º de janeiro de 2007 - Dispõe sobre as alterações de denominação e transferências que especifica, define a organização básica da Administração Direta e suas entidades vinculadas e dá providencias correlatas.

- Decreto nº 51.461, de 1º de janeiro de 2007 - Organiza a Secretaria de Ensino Superior e dá providências correlatas.

- Decreto nº 24.951, de 4 de abril de 1986 - Cria o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais.

- Decreto nº 26.914, de 15 de março de 1987 - Dispõe sobre o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais.

- Decreto Nº 29.598, de 2 de fevereiro de 1989 - Dispõe sobre providências visando a autonomia universitária.

- Decreto Nº 51.471, de 2 de janeiro de 2007 - Dispõe sobre a admissão e a contratação de pessoal na Administração Direta e Indireta e dá providências correlatas.

- Decreto Nº 51.636, de 9 de março de 2007 - Firma normas para a execução orçamentária e financeira do exercício de 2007 e dá providências correlatas

- Decreto Nº 51.660, de 14 de março de 2007 - Institui a Comissão de Política Salarial e dá providências correlatas

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Fim dos tempos...

ok, esse título trágico foi só pra dar um ar de qulaquer coisa pra esse post. Nesse período de festa cada um fica mais no seu canto e o blog fica, também, meio abandonado. Por sua vez pouca gente se dedica a passear pela internet. Para manter as coisas no ar deixo um post da Soninha vereadora de São Paulo pelo PPS, ela descreve como foi o Natal Solidário dos moradores de rua . Pra quem ler o texto inteiro (é grande mas vale muito a pena) verá que as coisas são bem diferentes do que mostram as típicae sonsas matérias natalinas exibidas no Jornal Nacional, SpTv,Fantástico e seus genéricos Jornal da Record e Domingo Espetacular.

Abraços, cae.

Pós-guerra
por SOninha, 27/12/2007

“Desce daí, sua vagabunda! Filha-da-puta!”

Eu já estive em um número suficiente de shows de rock, em cima do palco ou diante dele, e de partidas de futebol, para me abalar com xingamento. Ou coisa pior: em um Skol Rock, levei um copo amassado na testa (bem achatadinho, parecia uma estrela ninja, com grande aerodinâmica). Não, aquele público não tinha nada contra apresentadores da MTV, mas era minha 12ª. entrada no palco. Nas onze anteriores, tinha anunciando as bandas novatas que eram as finalistas do festival, mas os milhares de pessoas presentes estavam ali para ver as duas últimas, Bad Religion e Offspring, e não agüentavam mais olhar para a minha cara...

Em eventos de outro tipo, alguns personagens podem sempre esperar recepção pouco calorosa: políticos, polícia, repórteres da Globo... Às vezes a bronca é pessoal, mas é comum tomar uma vaia em nome da instituição; o desaforo se dirige a pessoas jurídicas, seja lá quem for a pessoa física diante do microfone.

O sujeito à minha frente não sabia quem eu era, mas não queria me ver ali. Queria os shows de música. Ele e mais uns três ou quatro, embriagados pelo álcool, pela natureza ou a vida dos últimos anos. São do povo "de rua". “Você não é a prefeita? Então arruma um trabalho pra mim”, gritava e gesticulava um deles, como se estivesse travando uma luta de boxe com o vento. Sorri: “Eu não sou prefeita. Sou vereadora”. Ficou confuso como se tivesse levado um direto no queixo. Abaixou os braços e sorriu torto. Parecia o soldado de um episódio do Asterix (acho que é “O Escudo Arverno”), tentando gritar “Viva Vercingetórix!”.

Enfim, não liguei. OK, eles odeiam políticos e discursos. Quem há de condená-los por isso? Mas outros faziam questão da minha presença e da fala, ouviram com respeito, gostam de ser merecedores de atenção. Era o Natal Solidário, festa da população de rua que acontece todo 24 de dezembro em alguma praça pública. Em 2007, foi na Sé. Monta-se um palco, há apresentações de artistas diversos – quase todos, gente “da rua” como eles – e distribuição de lanches e brinquedos para as crianças.

A alegria simples daquelas pessoas é de cortar o coração. Momentos antes, havia se apresentado um cover do Raul Seixas (dublando). Incrível, incrível mesmo ver a quantidade de letras que o público sabia de cor. Cantavam junto, interpretavam a letra com mímica, vibravam. Sujos, maltrapilhos, desdentados, descalços, emocionados e felizes.

Se bem que muitos, muitos mesmo, não manifestam emoção nenhuma. Ficam quietos olhando.

Estava indo tudo muito bem; o rapaz da organização a toda hora agradecia “à Prefeitura de São Paulo, a Guarda Civil Metropolitana, à Polícia Militar do Estado de São Paulo”. Ano passado, tivemos problemas com a GCM; este ano, os guardas observavam tudo tranqüilos, solícitos.

Até que começou o rap.

Estava tudo tão calmo que eu já estava indo embora, deixando o pessoal curtir a festa. Só não fui para prestigiar o grupo e ver ao menos uma música. Fiquei feliz por ter ficado – o público reagiu super bem. Os mais animados pulavam, punham as mãos para cima, atentos à rima e aos movimentos dos MCs. Estava tão bacana que comecei a gravar um vídeo com minha câmera fotográfica, mas a memória não deu nem para o cheiro. Em 8 segundos, mal começada a panorâmica pela praça, não havia mais “espaço no memory stick”. Que pena.

Mal sabia eu que o “espaço” faria falta não para mostrar a paz, mas a guerra.

Antes que eu percebesse que havia alguma coisa errada, o grupo interrompeu a apresentação: “Nós vamos dar um tempo porque os ânimos ali estão agitados. Calma, gente”. No lado oposto ao que eu estava, uma pequena aglomeração. “Xi, devem estar brigando”. Não dava para ver nada, exceto o bolo de gente olhando alguma coisa.

O Papai Noel da festa – o Tião, figuraça, ex-morador de rua, autor de livro e peça de teatro – pegou o microfone e parecia um dalai lama: “Povo de rua, vem pra cá. Tumultua não. Venham aqui pra frente do palco. GCM: calma. Não precisa se exaltar. Afasta, pessoal. Calma, GCM”. Eu não enxergava nada, mas fiquei morrendo de medo de como a GCM iria reagir (e nem sabia reagir a que, porque não vi nada acontecendo!). O Tião continuava falando pausadamente, com cuidado para não insuflar ninguém. Até para a polícia ele chegou a pedir ajuda para serenar os ânimos.

Não adiantou. A cena seguinte foi aterrorizante: guardas tacando spray de pimenta na cara das pessoas e sacando os cassetetes (ainda bem que não foram os revólveres!) e dando, dando, dando com fé em quem estivesse na frente. Brandindo o cassetete como uma batuta de maestro, pra tudo quanto é lado. Logo o bolo de gente se desfez em correria – gente passando mal, vomitando, desesperada tentando respirar. E guardas correndo atrás de quem estivesse correndo também, dando cacetada nas costas, passando rasteira, chutando e batendo em gente caída.

Foi horrível. Não vi o começo da coisa, mas o que me contaram foi o seguinte: três guardas foram para cima de um cara que estava de costas para eles, dominaram, jogaram no chão e tentaram algemar e levar embora. Não disseram o que ele tinha feito. Ninguém que estava por perto viu qualquer atitude errada por parte dele. A ação foi bem violenta; a atitude deveria ter sido muito grave, e mesmo assim não se justificaria tamanha truculência.

Inevitavelmente, quem estava por perto foi tentar interferir. “Por que vocês estão levando ele? O que foi que ele fez?”. “Não te interessa. Não se mete. Cuida da sua vida”. “Como assim, não me interessa? Fala o que ele fez!”. Os GCM continuaram agredindo o cara rendido e começaram a ameaçar quem estava em volta. Um rapaz começou a fotografar a cena e um guarda foi para cima dele e ficou tentando arrancar a câmera da sua mão. Ato contínuo, usou pimenta e deu-lhe um chute na canela.

E aí foi. Correria e porrada. Fiquei com medo de começar a voar pedra, mas não vi nenhuma. É capaz que tenha tido, mas não vi. Fiquei tentando acudir uma moça que não conseguia respirar, rezando para não acontecer mais nada, quando vieram me dizer: “Os guardas estão tirando a identificação do uniforme!”. Céus, a coisa estava feia e ia piorar.

Aqui e ali, ânimos exaltados. Nos olhos de alguns guardas, homens e mulheres, ÓDIO. Impressionante. Ai de quem chegasse perto. Pedir a identificação, perguntar “cadê seu chefe, quem está no comando?” recebia, em resposta, um olhar feroz, um rosnado, uma ameaça na forma de cassetete erguido ou mão sobre o coldre do revólver. Um rapaz ao meu lado observou, com uma calma surpreendente: “Eles vão dizer que foi o rap. Começaram a confusão bem na hora do rap pra dizer que o rap é que tem culpa”.

O rap já tinha desistido... Subiu ao palco um cantor de reggae, cantando um salmo. Mas o clima ainda era horrível. Eu não conseguia entender: por que dar uma rasteira, derrubar alguém que está tentando fugir do tumulto, dar várias cacetadas e sair?

Em um canto do praça, um homem sentado no chão chorava e esfregava o braço: “Tá doendo!”. Em volta dele, uma roda de GCM, isolando-o como se fosse uma mina terrestre. Ele chorava, chorava, chorava. Pedia pelo amor de deus. Me aproximei: “Vocês não vão chamar socorro?”. Faziam sinal para que eu me afastasse, ríspidos. Se eu não fosse mulher, teria levado bordoada, certeza. “O que ele fez? O que vocês estão esperando?”. O homem gritava e um guarda aproximava bem o rosto do dele, urrando: “CALA ESSA BOCA! CALA A BOCA, CARALHO!”. E ameaçava dar com o cassetete outra vez. Em um homem sentado no chão, chorando de dor! Eu perguntava, mais calma do que costumo ficar nessas horas: “Pra que isso?”. Um guarda virava a cara, envergonhado; outros faziam sinal para me afastar e não me meter, com ar de ódio.

Acho que eles viram todos os filmes errados. Não assistiram aquelas cenas de policiais frios, inabaláveis, com equilíbrio de mestre de King Fu, lidando com desaforos, impropérios, cusparadas, como se fossem de aço. Rendendo, imobilizando, prendendo no puro cumprimento do dever, e não como se estivessem em uma briga de rua e fossem de uma das gangues rivais.

Pareciam pitbulls, ou pitboys. Valentes? Covardes. Quatro ou cinco contra um. Diante de uma pessoa exaltada, nervosa, reagiam com o dobro da exaltação e nervosismo. O dever deles não seria justamente o contrário? Protegidos, armados, fortes e treinados, como podem agir com tanta raiva, tanto sangue nos olhos?

Nem vou descrever outras cenas, outras agressões. Houve mais alguns ataques coletivos, descontrolados. Um inspetor presente, que não era superior imediato daqueles guardas mas tentava organizar as coisas ali, mal conseguia se fazer ouvir por eles. Um ou outro guarda tentava serenar os ânimos, mas a maioria – é triste dizer, mas era maioria – estava a fim de mesmo de descer o cacete.

Para concluir: uns quinze ou vinte minutos depois, finalmente levantaram o homem que chorava. E...? Torciam o braço dele para trás, com violência indescritível, para algemá-lo. CLARO que ele resistia. Chorava, gritava, IMPLORAVA, mas eles juntaram dois ou três para fazer o serviço e socá-lo para dentro de uma viatura. Felizmente, consegui que alguém me respondesse: estavam levando para o 1º. DP. Qual a acusação? Nenhuma resposta. Se quisesse, eu que fosse ao Distrito acompanhar.

Fui. O delegado e os escrivães nos receberam muito bem. De imediato, pediram para levar os feridos (eram 2) ao Pronto-Socorro. Um deles tinha um talho na cabeça; segundo os guardas, ele tentou fugir ao chegar ao DP e teve a idéia de jerico de dar com a própria cabeça, com toda força, no vidro da viatura, que quebrou. Não tentou chutar, morder ou cabecear um guarda; tentou furar a janela com a testa... Segundo uma testemunha, deram com a cabeça dele no vidro, isso sim.

No caminho do hospital, os GCM ameaçavam os rapazes; já no PS, ficavam vigiando para ver o que os feridos iam dizer aos enfermeiros. “Tomei uma pedrada”, disse o do talho. Os guardas não o desmentiram. Ele olhou bem para a moça que o atendia, que baixou os olhos, compreensiva e temerosa.

De volta ao distrito, os guardas contaram sua versão da ocorrência. Mostraram um paralelepípedo como prova do que tinha acontecido na praça. Um troço monstruoso, difícil até de levantar do chão. Talvez tivesse sido arremessado por uma catapulta... Deram queixa por incitação à violência, apologia ao crime, desacato. Disseram que tinham sido agredidos com uma chuva de pedras e caixotes, e por isso tinham reagido. Um deles esfregava o braço o tempo todo, franzia a testa e fazia bico, como se estivesse doendo muito. (Mais tarde, no IML, dava risada e dava de ombros...)

Enfim, uma tristeza, uma tragédia. Porque não foi só um caso de descontrole em um evento de rua; não foi só uma demonstração de excesso motivado por despreparo. Foi uma exibição de ódio e preconceito. (Na hora da confusão, um guarda dizia para os rappers, ainda em cima do palco: “Depois um toma um tiro, aí vem a mamãezinha chorar”; o homem do braço torcido ouviu de um guarda: “Volta pra Bahia, desgraçado”; outro guarda disse para outra pessoa: “É pra acabar com essa palhaçada de Natal”).

Quem tem esses sentimentos, essas reações, não tem a menor condição de estar na rua. Se eu tenho de estar preparada para ser xingada, que dirá um guarda? Ele tem de cumprir a lei. Se um sujeito atirou uma pedra, tem de ser detido, fichado, processado... Não apanhar de quatro ou cinco. Não se pode admitir espancamento por autoridade!

E o homem do braço jura que não fez nada, só saiu correndo pra fugir do tumulto. Por coincidência, ele aparece nos meus 8 segundos de vídeo, quietinho, sozinho, vendo o show com um ar sorridente, bem longe de onde começou a confusão. No chão da delegacia, ele chorava, chorava, chorava. “Isso é Natal?”.

No dia 24 à noite, depois de serem fichados como “autor/vítima”, eles voltaram para seus albergues. Hoje devem estar por aí, catando papelão. (Na hora em que o do braço foi levado pela viatura, veio um outro correndo atrás de mim: “Ele trabalha, doutora! Eu conheço ele lá do ferro-velho! É trabalhador, é gente de bem!”). Que Natal...

Preocupo-me seriamente com os guardas. Que sejam afastados das ruas; que será deles? Não podem lidar com gente. Não podem ter cassetete, pimenta, revólver. Para onde iriam? Se forem exonerados, que farão por aí essas pessoas? Que trabalho serve para quem tem tanto ódio? Na direção de um ônibus, jogariam o carro para cima do pedestre, como o doido que, meses atrás, passou por cima de um velhinho na Brasilândia, praticamente de propósito. Em vez de reduzir para o velhinho terminar de atravessar, acelerou. Matou.

Tem muito doido nessa cidade. São Paulo precisa de paz, de saúde mental. Antes que eu me desespere outra vez, ou me desespere da vez, lembro de Berlim. Da barbaridade da guerra, da barbaridade do muro. Passou. Ainda deve estar cheio de doido por lá (claro que está), mas a maioria vive e circula em paz. E nem faz tanto tempo assim que era tudo horror e ruína.

Em 2008, que estejamos mais próximos da Berlim de hoje e mais distantes dos escombros, trincheiras e muros de uma cidade em pé de guerra. Paz, São Paulo, paz.

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