25 de ago. de 2007

"Veja, a elite!". Disse Narciso antes de morrer.

Olha, eu sei que o Caetano é o encarregado do artigo sobre a revista Veja, mas é impossível ficar alheio a matéria Como pensam os brasileiros, publicada na edição 2022, de 22 de Agosto de 2007. A começar pela chamada na capa: "Um livro mostra que a elite é o lado bom do Brasil".



Assinada por Ronaldo França (nunca vi mais gordo), a matéria começa com o seguinte texto:
"A julgar pelo que se lê nos jornais e se ouve nas salas de aula das universidades, o Brasil conta com uma elite retrógrada, de valores quase medievais, empenhada em obter toda sorte de privilégios do estado e em explorar a massa trabalhadora. Essa elite seria tão daninha que qualquer movimento de protesto originado nela, como o "Cansei", já nasceria marcado pela ilegitimidade. Segundos os arautos desse ponto de vista, em posição antípoda estaria um povo de valores imaculados, dono de uma sabedoria e um senso de justiça naturais e pronto a redimir o país de séculos de iniqüidade."
Adiante, no mesmo parágrafo, somos apresentados a definição de elite: "Como registram os dicionários, é uma palavra de origem francesa que significa "o que há de melhor numa sociedade ou grupo". Dela fazem parte profissionais liberais, cientistas, atletas, empresários, políticos (não todos, infelizmente)". A segunda definição, omitida pelo jornalista, vai mais além: "Rubrica: sociologia. Minoria que detém o prestígio e o domínio sobre o grupo social." Mas isso é o de menos.

O bicho pega quando entra em jogo o livro A Cabeça do Brasileiro, do sociólogo Alberto Carlos Almeida, que apresenta os resultados da Pesquisa Social Brasileira, realizada pela DataUFF (Universidade Federal Fluminense) com 2.363 pessoas em 102 municípios e financiada pela Fundação Ford. "Um levantamento no qual se investigaram os principais valores presentes no cotidiano social, econômico e político nacional. Enfim, o que se pode chamar de "o pensamento do brasileiro"". "O levantamento expressa a opinião dos brasileiros sobre diversos temas. Não pretende, é importante ressaltar, revelar como agem".

Adiante o jornalista chega as seguintes conclusões:
"Se todas as pessoas em idade escolar estivessem em sala de aula hoje, a pleno vapor, o Brasil acordaria uma nação moderna no dia 1 de janeiro de 2025 - depois de um ciclo completo de educação. Os brasileiros passariam a ter baixíssima tolerância à corrupção e esperariam menos benesses de um estado protetor. Funcionários públicos ineficientes e aproveitadores seria uma raça em extinção. Os cidadãos lutariam mais por seu futuro, em vez de se entregar distraidamente à loteria do destino. Nesse país, as pessoas de qualquer credo ou classe social se veriam como portadoras de direitos iguais. As diferenças sexuais seriam mais respeitadas. Provavelmente pouquíssimos endossariam a frase estampada no alto da página 87 - "Se alguém é eleito para um cargo público, deve usa-lo em benefício próprio."
Como sugere o final do texto sobre-citado, a pesquisa foi toda realizada da seguinte forma: Frases eram ditas ao entrevistado que deveria afirmar se concordava com o que lhe era dito. Os resultados foram então organizados de acordo com o grau de escolaridade. Pelo menos é o se supõem pelo conteúdo da reportagem, que não explicita qual a metodologia, apenas diz que é a mesma "(...) utilizada pela General Social Survey, a maior pesquisa social dos Estados Unidos, realizada a cada dois anos, desde 1972, pela Universidade de Chicago." Assim, somos apresentados aos seguintes números:
"Se alguém é eleito para um cargo público, deve usá-lo em benefício próprio". Concordam:
  • Analfabetos: 40%
  • Até a 4 série: 31%
  • Da 5 a 8 série: 17%
  • Ensino médio: 5%
  • Nível superior ou mais: 3%

"Se os moradores permitirem, os empregadas devem usar o elevador social". Concordam:
  • Analfabetos: 24%
  • Até a 4 série: 33%
  • Da 5 a 8 série: 38%
  • Ensino médio: 50%
  • Nível superior ou mais: 72%

"É certo recorrer ao jeitinho para resolver problemas, como o de se livrar de uma multa". Concordam:
  • Analfabetos: 57%
  • Até a 4 série: 51%
  • Da 5 a 8 série: 58%
  • Ensino médio: 48%
  • Nível superior ou mais: 33%

"A polícia está certa em bater nos presos para que eles confessem seus crimes". Concordam:
  • Analfabetos: 51%
  • Até a 4 série: 44%
  • Da 5 a 8 série: 41%
  • Ensino Médio: 31%
  • Nível superior ou mais: 14%

"Programas de TV que fazem críticas ao governo devem ser proibidos". Concordam:
  • Analfabetos: 56%
  • Até a 4 série: 45%
  • Da 5 a 8 série: 33%
  • Ensino médio: 19%
  • Nível superior ou mais: 8%
São números muito expressivos e que mostram, metodologia a parte, que a população com mais acesso a educação pensa de modo diferenciado. A reportagem conclui em seu último parágrafo que "(...) por meio de trabalhos como esse, com conclusões que fogem aos lugares-comuns e apontam na direção da necessidade de universalizar a educação e acelerar a marcha rumo à modernidade - o que significa uma ampliação da classe média, ou seja, da elite (...)" que o país possa encontrar uma "(...) uniformidade social".

Tudo muito bom, tudo muito bem. Uma matéria muito bonita, cheia de números e citações e figuras coloridas, mas o que isso quer dizer? O que o jornalista Ronaldo França, e consequentemente a revista que o publica, querem dizer? Bom, fomos apresentados ao conceito de elite. São a nata social nacional. No entanto são constantemente batidos e reprimidos pelos jornais e pelos meios academicos, impedidos de se expressarem e se manifestarem publicamente sob o argumento de que são retrógrados, só pensam em explorar a massa trabalhadora. Mas ainda assim continuam sendo o que há de melhor no país. E a pesquisa está aqui para comprovar. Assim, somente com a educação poderemos ampliar a elite no pais, ou seja, a classe média, e transformar o Brasil.

Mas nem tudo é tão claro assim. Afinal, o que é a elite no Brasil? É, como pensa a "rasa cachola esquerdista brasileira", um grupo de ricos exploradores; como define o dicionário, o que há de melhor numa sociedade; como define a pesquisa, um grupo de pessoas que possui mais estudo que o resto do país; ou simplesmente, como define o jornalista, a classe média? Alguém sabe? Bom, aparentemente isso não importa para a revista, que iguala todos num mesmo caldeirão sem perceber as anomalias que isso gera.

Os Cansados, mais nova manifestação dessa elite, que tem em seu seio pessoas como Regina Duarte, Hebe Camardo, Ana Maria Braga, um filho e uma neta do Francisco, clientes da Daslu, o presidente paulista da OAB, o presidente de Philipps, o "dono" de Campos do Jordão e tanto outros. Esses são portanto representantes legítimos da classe média, segundo a revista. Juntam-se a eles também a grande maioria dos brasileiros com nível superior, mesmo após as pregações esquerdistas rasas de seus professores, como o comunista do Alberto Carlos Almeida.

Que loucura é essa que se cria? O jornalista simplesmente esquece tudo aquilo que afirma parágrafos antes e oscila de conceito para conceito de acordo com seus interesses. Transforma suposições em verdades, como ao afirmar que a pesquisa não tem como intuito levantar como agimos mas sim como pensamos, para em seguida concluir daqui 18 todos agiríamos praticamente como noruegueses. Qual o intuito disso? Manipular a cabeça do leitor e transforma-los em "Cansados"? Não sei. O que parece é que a revista tira as coisas de um maniqueísmo branco-e-preto e leva-las para um de tons-de-cinza-e-preto, em que os conceitos são modificados sempre em meu favor, enquanto outro vai ser sempre um simplório esquerdista.

Depois de uma dessas vou ler um pouco de Caras pra relaxar. Tá loco... Não vou nem revisar o texto!

Douglas

Caravaggio - Narcissus 1598-99
Óleo sobre tela, 110 x 92 cm
Galleria Nazionale d'Arte Antica, Rome

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22 de ago. de 2007

"Não somos todos idiotas!" ou sobre as palavras vazias do governo israelense.

O mapa abaixo refere-se aos territórios ocupados por Israel em Jerusalém Oriental e proximidades. É uma mapa elaborado por Regis Debray, um intelectual que, em 2006, foi encarregado pelo então presidente francês Jacques Chirac a elaborar um relatório sobre a situação das comunidades etnos-religiosas do Oriente Médio. Em 15 de janeiro de 2007, após extensa pesquisa, elaborou um memorando sobre a Palestina que foi publicado, no Brasil, esse mês pela revista Le Monde Diplomatique Brasil. Seguem-se ao mapa dois pequenos parágrafos do memorando onde Debray evidencia a hipocrisia das palavras israelenses, e mesmo da "Comunidade Internacional" frente ao conflito entre Israel e os palestinos.
"De 1994 a 2000, o número de colonos judeus nos territórios palestinos havia efetivamente dobrado. Desde os acordos de Oslo, de 1993, o número de Israelenses que se instalou na Cisjordânia iguala o dos 25 anos anteriores. No momento em que evocamos mais uma vez uma conferência internacional, seria nefasto refazer o inventário da situação ou da realidade atual. É inútil nomear uma nova comissão. Esse levantamento já foi feito bem mais de uma vez. Nenhum conflito no mundo foi tão bem documentado, mapeada e arquivado."

(...)


"O que mostram esses mapas? Que as bases físicas, econômicas e humanos de um "Estado palestino viável" estão em vias de desaparecimento, de forma que a "two state solution", o "divórcio justo e imparcial" (Amoz Oz), o território partilhado entre duas nações, um menor que o outro, desmilitarizado, porém soberano, viável e contínuo, parecem palavras vazias,a conjugar no futuro do pretérito."


(...)


"(...) a retirada de 8000 colonos -da faixa de gaza- (com um jornalista para cada 3 colonos) veio acompanhada, nos meses seguintes, da instalação discreta de 20.000 colonos em outras áreas. Gaza não fazia parte da herança sagrada, ao passo que a "Judéia-Samaria" é sua espinha dorsal. E Sharon nunca escondeu que essa remoção marginal tinha como contrapartida o reforço da presença israelense para além da linha verde (438.000 colonos até agora, incluindo 192.910 em Jerusalém Oriental);"


(...)


"De imediato: essa situação é sustentável no longo prazo, digamos, até o final desse século? Pode-se duvidar, visto o tanto que sua obsessão securitária oculta de insegurança para Israel e da inconsciência das pesadas predisposições da região, particularmente demográfica, informática e religiosa. Um governo europeu, ou vários, não podia avisar aos nossos amigos israelenses: 1)que não somos todos idiotas ; e 2)que, se há enganação, seus promotores não serão as primeiras vítimas, mas infelizmente, as últimas?"



é provável que o mapa esteja difícil de visualizar, mil desculpas, fiz o possível. Acho que ao clicar nele e ampliá-lo já dá uma melhorada. Mais material sobre o assunto: aqui um relatório elaborado por Alvaro Soto, coordenador especial da ONU pelo processo de paz no Oriente Médio (em inglês) e há também o livro recém publicado por Robert Fisk (correspondente em Beirute por do jornal inglês The independent) chamado Pobre Nação (ed. record) trata especificamente da questão libanesa. Ainda não o li mas estou curiosíssimo.


Abraços, cae.

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21 de ago. de 2007

Esse tá cansado...

Trecho de matéria do JN de 09/01 sobre a prisão dos donos da Renascer:

O advogado dos Hernandes diz que o casal viajava num grupo de sete pessoas e que o que houve foi apenas erro no preenchimento da declaração de valores. “Sete pessoas ingressando nos EUA podem levar, pela lei americana até U$ 70 mil, U$ 10 mil por pessoa. Se a quantia que se noticia é inferior a isso, eles estão dentro da lei”, disse o advogado Luiz Flávio D'urso.

Bom, agora os donos da Renascer foram condenados a 10 meses de prisão nos EUA. Erro de preenchimento se confunde com lavagem de dinheiro D´urso? Ah, o D´urso é um dos líderes do CANSEI, presidente da OAB-SP.

Abraços, Cae.

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Cansei, bunker, cansados, público, etc, etc, etc...

Sobre o Cansei considero ele um movimento legitimo, uma vez que uma camada da população estando descontente protesta. Ótimo... lutou-se muito por um mínimo de direitos no país. Evidenciar também quais as intenções políticas do movimento é necessário; nesse ponto é ridícula a afimação de "Cansados" que o movimento não tem caráter político. Óbvio que tem: politica tá ai e se faz cotidianamente. Pô, empresário da philips com medo de fazer política? Conta outra.
O que não é válido dentro do movimento é o uso de um evento trágico e que ainda busca explicações, como o acidente da TAM, para seus propósitos - independente se for para fins dos proletários ou dos "bolcheviques dos Jardins". Muito mais pertinente, se o cansaço fosse real, seriam protestos pós ataques do PCC ano passado. Quem dera houvesse uma articulação política desse porte por parte dessa gente. E agora saem às ruas com seus poodles sendo que nunca frequentaram lugares públicos; não têm relação nenhuma com o bem comum, muito pelo contrário, constroem seus bunker de consumo nos locais mais impossíves de chegar com transporte público e onde a entrada a pé, ou com veículos "não-adequados", é proibida. Por que uma vez cansados não decidem praticar o convivio e compartilhar o espaço (pelo menos isso)?

Quais as consequências desse movimento? Não sei, parece que a repercussão dele está sendo maior do que o que de fato ele é, não me lembro da Folha dedicando uma página inteira do caderno 1 a uma passeata com 2000 pessoas, o que já, em si, representa uma "conquista" do movimento. Seguimos e veremos.

Aqui segue trecho de um post resent do Tas, em seu blog:

O "Cansei", que traduziria o sentimento de grande parte da população, já nasceu com DNA torto. Agregou tal biodiversidade de aproveitadores- até o padre da Xuxa apareceu na Sé- que dificilmente pode oferecer um espelho onde a sociedade se reconheça. O movimento mais parece uma Ilha de Caras Pintadas que usa como bucha de canhão as infelizes famílias das vítimas da TAM, que aliás ficaram fora do palanque principal na última sexta.

e uma imagem feita pelo pessoal do blog To Cansadinho:


Abraços, Cae.

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Semestre novo, blog novo

Finalmente, após muito tempo, este Blog voltará a receber atualizações. Ontem, em reunião produtivíssima no Bar do Raimundão, os blogueiros Caetano, Enric "Grama", Élcio, Henrique "Baiano", André, Marcelo e eu, Douglas "Buzina", decidimos sobre o futuro do ParouParou. Fizemos um pequeno balanço sobre o que funcionou e o que não funcionou na atuação grevista do Blog e propuzemos novos conteúdos, assim como uma nova linha editorial.

Quanto a nossa atuação na greve do primeiro semestre das universidades públicas paulistas, a experiência foi incrivelmente positiva. Estávamos com média diária de 300 acessos, sendo quase um quarto deles de novos leitores. Conseguimos repercutir em outros blogs importantes, como o do Marcelo Coelho e o do Roberto Romano. Enfim, foi uma experiência muito bem sucedida e extremamente gratificante para o nosso pequeno grupo de blogueiros iniciantes.

Já em relação ao novo conteúdo a conversa foi um pouco mais demorada, mas extremamente proveitosa. Levando em consideração o viés de nosso curso, somos todos alunos de Midialogia, e nossos interesses pessoais, decidimos tomar o seguir caminho: O ParouParou agora abordará política e cultura nos meios de comunicação, em especial os impressos. A princípio nos comprometivemos a publicar, no máximo até terça feira, um artigo avaliando o conteúdo dos seguintes veículos: Carta Capital, Veja e a edição nacional de domingo da Folha de São Paulo. A escolha destes três veículos foi feita baseada na disponibilidade de leitura por parte dos membros deste blog.

O conteúdo de tais artigos será inteiramente de responsabilidade do autor, ou seja, ele estará autorizado a abordar o que quiser dentro de seu texto. Para os artigos sobre a Carta Capital o responsável é o Enric, para a Veja o Caetano e para a Folha eu, Douglas. Embora sejamos inteiramente responsáveis por veículos específicos, nada nos impede de, durante os posts diários, comentar algo publicado em outro jornal ou revista.


Além do conteúdo, teremos também outra identidade visual e outro esquema de organização. Esses serão implantados no decorrer da disponibilidade do nosso faz tudo Enric, ou seja, você internauta/leitor/blogueiro poderá se deparar com algo completamente diferente do dia para a noite. As mudanças visam reafirma uma nova identidade e melhorar a navegação entre os posts.

De resto, tudo continuará o mesmo. Continuaremos com a política de abordar as notícias dos pontos de vista mais diversos, sem restrições quanto ao conteúdo político ou editorial do veiculo abordado. Tentaremos ser neutros em nossos conteúdos editoriais e pessoais em nosso posts particulares. Enfim, tudo aquilo que foi bom e que bastante elogiado em nossa atuação grevista será mantida.

Por fim, nossa reunião acabou, pedimos mais algumas cervejas e continuamos bebendo até o frio nos expulsar do Bar.

Douglas

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