25 de set. de 2007

Mano Brown no Roda viva?

"Cuba deixou de tentar ser Nova Iorque para ser, pelo menos, Cuba.
O Brasil quer ser Nova Iorque."
Mano Brown, Roda viva.

São raros os momentos em que as duas esferas do Brasil entram em uma conversa civilizada dentro de um espaço midiático tradicional. O programa Roda viva, da TV Cultura é um desses espaços, e dos bem reconhecidos. Nessa semana, o entrevistado foi Mano Brown, dos Racionais MC, que dispensa apresentações. Foi um programa interessante, tanto pelas ações dos entrevistadores quanto pelo entrevistado.

Criticidade

Mano Brown é uma voz crítica, antes de tudo. Crítico no sentido de conexão total com a sua realidade objetiva, na negação de tudo que poderia nublar sua visão sobre o seu entorno. Ele enxerga a sua história e as outras histórias ao seu redor a partir de seu próprio ponto de vista, dando peso e importância para elas, ao mesmo tempo em que é consciente de como é relativa a posição de onde ele enxerga. Ele é ele e a realidade é a realidade e ele carrega sempre em sua fala as marcas dessa realidade como ela é entendida e vivida por ele, Mano Brown.

Penso que não é razoável eu tentar aqui resumir as idéias faladas por ele na entrevista, porque elas com certeza perderiam muito da claridade e das distinções sutis que ele coloca. Creio que basta dizer que, ao meu ver, ele tem uma postura ferozmente radical sobre a sociedade brasileira. Radical no sentido primordial, de raíz, de encarar os fundamentos de tudo e de pensar na realidade objetiva (essa é a palavra-chave) das coisas, defendendo o princípio da "atitude", do ato, da ação, coletiva e voltada ao seu entorno. No contexto da radicalidade dessa posição, fica claro que seu falar tem que ser categórico, tem que recortar o mundo para poder agir sobre ele e também para entendê-lo. Mano Brown sabe que é necessário esclarecer as divisões fundamentais e estabelecer pontos básicos, de onde ele parte para a argumentação de suas posições.

Entrevistadores

Ficou claro também que a divisão entre os entrevistadores e o entrevistado não existia apenas como a divisão de papéis dentro do programa. Ali estavam presentes e marcadas no mínimo duas posições diferentes e conflitantes quanto à realidade nacional. Mano Brown fala de seu entorno, da periferia, da auto-organização das favelas, do caráter opressor das leis do país, do desconhecimento do resto da sociedade sobre a situação do pobre e do morador da favela, da diferença cultural entre o branco e o negro. Enquanto isso, os entrevistadores insistiram em perguntas sobre suas posições individuais, íntimas, quase emotivas; como diz Marilena Chauí, perguntar demais sobre o âmbito íntimo e familiar de uma pessoa diminui sua significância social e seu caráter de posição racional e é uma das rotinas mais comuns da grande mídia justamente por isso. O segundo bloco do Roda viva foi exatamente isso.

Em outros momentos, os entrevistadores tentaram armar arapucas sutis para que ele dissesse as polêmicas que queriam ouvir sobre o tráfico, sobre as drogas, armadilhas essas destinadas a dar munição a comentadores da grande mídia (vá ver o que o Reinaldo Azevedo escreveu sobre a entrevista) para acusar Mano Brown de infrator, de lulista, de fazer apologias. Penso que, como o próprio rapper falou, eles pegaram leve, afinal de contas, ele já está mais do que escolado para evitar armadilhas tão banais e ao mesmo tempo afirmar suas posições, sem fugir da responsabilidade e das possíveis polêmicas de dizer a verdade; esse modo de proceder dos entrevistadores revelou seu desconhecimento do entrevistado, além de seus medo e desprezo por ele, assim como a necessidade de servir ao establishment. Eles queriam alguma polêmica saindo dali, mas o rapper falou com tanta autoridade, fundamentada, ainda que rústica e simples, que qualquer um aberto a realmente ouvir o que ele estava dizendo entenderia a real natureza daquilo e não se perderia em tentativas de achar provas para algum tipo de condenação.

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Enric "Grama" Llagostera

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