Saiu na Folha hoje o texto abaixo. Faz uma reflexão sobre o cinema nacional e a as propostas de cota para exibição. Mais tarde eu posto uns comentários a respeito do tema. Acabei de voltar com uma dor de cabeça fabulosa do supermercado. Natal né! Pois é...
Douglas
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Cinema reservado
O cinema não foi feito para humilhar ninguém, embora no Brasil às vezes tenha-se a impressão de que sim
OS CINEASTAS brasileiros querem aumentar a reserva de mercado para a produção nacional. É uma reivindicação legítima. Como seria legítimo eu, como espectador, reivindicar filmes melhores. Não apenas por gostar da cultura brasileira e querer vê-la florescer, mas também pelo fato de o cinema nacional ser amplamente financiado com dinheiro público.
Não é improvável que o espectador médio veja com antipatia a idéia da "cota de tela", que impõe ao mercado um critério baseado na nacionalidade. A turma da pipoca, em busca de entretenimento, muito possivelmente prefere maus filmes americanos a maus filmes brasileiros (talvez até a bons). A reserva de mercado vem com um certo ranço antiamericanista, e é bom lembrar que, queiramos ou não, o cinema americano faz parte da cultura brasileira, como faz parte da cultura global. Formou platéias, definiu um gosto, fixou-se na memória cultural e afetiva do país.
Já o cinema brasileiro tem vivido de surtos. É de Ferreira Gullar a célebre frase: "A crase não foi feita para humilhar ninguém". Eu diria que o cinema também não, embora no Brasil às vezes tenha-se a impressão de que sim.
É verdade que temos visto bons filmes, mas é verdade também que produzimos uma prodigiosa safra de abacaxis, que não atrai público nem eleva o padrão da cinematografia. Por que num ambiente de recursos tão escassos gasta-se com tanto lixo? Será que mais "cota de tela" vai se traduzir em mais qualidade? Ou apenas em mais salas vazias?
Sempre é possível fazer raciocínios não muito complicados que acenem com a probabilidade de que no futuro o arco de filmes de qualidade se amplie, caso defendamos hoje medidas que "fomentem o desenvolvimento" da nossa indústria. Mas será que as atuais regras são as mais adequadas?
Não se trata de enveredar pelo blablablá mercadista bravateiro, mas de discutir a qualidade das políticas públicas para o setor, se elas são uma plataforma de fomento ou uma distribuição ineficiente de recursos, sem risco e contrapartidas, que tende a se perpetuar em meio a pressões por mais proteção.
É claro que políticas de incentivo exigem medidas que possam conferir mais equilíbrio a uma concorrência assimétrica, mas filmes que saem do forno pagos, não geram público e são exibidos por força de cotas não parecem ser o melhor caminho. É preciso pensar aonde se quer chegar -e se é que se pode chegar com as regras atuais.
Estamos em plena temporada de peregrinação consumista. Massas dirigem-se em romaria aos shoppings e ruas de comércio popular. Em meio ao calor e à chuva gosmenta, a legião de papais noéis encasacados que invade a cidade, conduzindo renas entre flocos de algodão, acentua a atmosfera surrealista do frenesi de fim de ano. Nada traduz melhor meu estado de espírito nestes dias do que o cartum do genial Jaguar na capa da "Piauí": um Papai Noel patético, de braços abertos, dizendo: "Estou sem saco pro Natal!".
Cinema reservado
O cinema não foi feito para humilhar ninguém, embora no Brasil às vezes tenha-se a impressão de que sim
OS CINEASTAS brasileiros querem aumentar a reserva de mercado para a produção nacional. É uma reivindicação legítima. Como seria legítimo eu, como espectador, reivindicar filmes melhores. Não apenas por gostar da cultura brasileira e querer vê-la florescer, mas também pelo fato de o cinema nacional ser amplamente financiado com dinheiro público.
Não é improvável que o espectador médio veja com antipatia a idéia da "cota de tela", que impõe ao mercado um critério baseado na nacionalidade. A turma da pipoca, em busca de entretenimento, muito possivelmente prefere maus filmes americanos a maus filmes brasileiros (talvez até a bons). A reserva de mercado vem com um certo ranço antiamericanista, e é bom lembrar que, queiramos ou não, o cinema americano faz parte da cultura brasileira, como faz parte da cultura global. Formou platéias, definiu um gosto, fixou-se na memória cultural e afetiva do país.
Já o cinema brasileiro tem vivido de surtos. É de Ferreira Gullar a célebre frase: "A crase não foi feita para humilhar ninguém". Eu diria que o cinema também não, embora no Brasil às vezes tenha-se a impressão de que sim.
É verdade que temos visto bons filmes, mas é verdade também que produzimos uma prodigiosa safra de abacaxis, que não atrai público nem eleva o padrão da cinematografia. Por que num ambiente de recursos tão escassos gasta-se com tanto lixo? Será que mais "cota de tela" vai se traduzir em mais qualidade? Ou apenas em mais salas vazias?
Sempre é possível fazer raciocínios não muito complicados que acenem com a probabilidade de que no futuro o arco de filmes de qualidade se amplie, caso defendamos hoje medidas que "fomentem o desenvolvimento" da nossa indústria. Mas será que as atuais regras são as mais adequadas?
Não se trata de enveredar pelo blablablá mercadista bravateiro, mas de discutir a qualidade das políticas públicas para o setor, se elas são uma plataforma de fomento ou uma distribuição ineficiente de recursos, sem risco e contrapartidas, que tende a se perpetuar em meio a pressões por mais proteção.
É claro que políticas de incentivo exigem medidas que possam conferir mais equilíbrio a uma concorrência assimétrica, mas filmes que saem do forno pagos, não geram público e são exibidos por força de cotas não parecem ser o melhor caminho. É preciso pensar aonde se quer chegar -e se é que se pode chegar com as regras atuais.
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Estamos em plena temporada de peregrinação consumista. Massas dirigem-se em romaria aos shoppings e ruas de comércio popular. Em meio ao calor e à chuva gosmenta, a legião de papais noéis encasacados que invade a cidade, conduzindo renas entre flocos de algodão, acentua a atmosfera surrealista do frenesi de fim de ano. Nada traduz melhor meu estado de espírito nestes dias do que o cartum do genial Jaguar na capa da "Piauí": um Papai Noel patético, de braços abertos, dizendo: "Estou sem saco pro Natal!".
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