Entrevista com a filósofa Olagária Matos retirada do site Carta Maior.
"Polícia na USP é 'mais do que autoritarismo' , diz filósofa
A renomada filósofa Olgária Matos e outros 300 intelectuais firmam
abaixo-assinado no qual rejeitam a 'ação violenta de desocupação do prédio [da
Reitoria]' da USP. Para ela, os estudantes deram 'uma aula de democracia ao
poder instituído na universidade'.
Rafael Sampaio - Carta Maior
Data: 23/05/2007
SÃO PAULO - Signatária de um abaixo-assinado que pede novas negociações da
reitora Suely Vilela com os estudantes que ocuparam a Reitoria da Universidade
de São Paulo (USP), no campus Butantã, em São Paulo, a professora titular de
Filosofia, Olgária Matos, chama de "absurda" a hipótese de a Tropa de Choque
realizar o despejo forçado da ocupação. Olgária é especialista em filosofia
política e História da Filosofia, com enfoque no iluminismo. Ela lançou livros
como "Discretas Esperanças".
Assim como Olgária, outros 300 professores da USP assinam a petição e rejeitam
"qualquer ação violenta de desocupação do prédio [da Reitoria], tendo em vista
a justeza de sua causa política em defesa da universidade pública". Dentre os
que assinam o documento estão os professores Antonio Candido, Alfredo Bosi,
José Miguel Wisnik, Marilena Chauí, Franklin Leopoldo, Luiz Tatit, Paulo
Arantes, Maria Victoria Benevides e Leda Paulani.
"Em vários países do mundo, a universidade está a salvo das ingerências
policiais, porque ela é a única capaz de garantir pensamento livre", diz
Olgária, para quem as "novas idéias" não podem ser limitadas.
"É claro que muitos professores não acham [a ocupação] uma atitude que deve ser
promovida ao status de arma política ou forma de luta política", pondera a
professora. Porém, ela faz questão de lembrar que "enviar a Polícia Militar,
neste caso [de ocupação], é como intimidar um movimento civil, intelectual e
político dos estudantes".
Confira, abaixo, a edição das melhores partes da entrevista:
Carta Maior - Como a senhora vê uma provável desocupação da reitoria da
universidade mediante uso da força policial?
Olgária Matos - Seria gravíssimo se isso viesse a acontecer. Parece-me que o
significado das reivindicações dos estudantes é legítimo, o que deve ser
discutido com a Reitora e não com a Polícia Militar.
Acredito que esta ocupação foi uma fórmula para estes jovens darem uma aula de
democracia ao poder instituído na universidade. Eles devem ter consciência
total ou parcial do que está acontecendo, e assim se faz o difícil aprendizado
democrático que as autoridades universitárias não conseguem entender.
CM - A senhora, que tem uma longa história na universidade, já presenciou este
tipo de ação da Polícia Militar dentro do campus?
Olgária - Eu só me lembro da ocupação do prédio da Maria Antônia [batalha
ocorrida em outubro de 1968 entre estudantes de Filosofia da USP e da
Universidade Mackenzie]. Foi o dia mais triste da história desta instituição e
de todas as universidades do Brasil, se você quer saber.
CM - Qual o significado simbólico da presença da Polícia Militar no campus?
Trata-se apenas de autoritarismo?
Olgária - Não é autoritarismo, é pior. Porque quando há autoritarismo, ele
previne muitas vezes o uso da força policial, porque já faz [implicitamente] o
papel de polícia. Não é que os policiais sejam maus. Mas o que significa a
presença da polícia armada dentro de um campus, sendo que as nossas únicas
armas são os livros e o pensamento?
É muito grave, porque se ocorrer isso, serão armas desiguais, e o recinto
universitário é um lugar que fica distante do conflito armado urbano. Enviar a
Polícia Militar neste caso é como tentar intimidar um movimento civil,
intelectual e político dos estudantes. Seria responder a isso com a força
bruta, então é totalmente absurdo.
CM - A senhora diz que as reivindicações são legítimas. O que pensa da ocupação
na Reitoria?
Olgária - Eu acho que os estudantes que lá estão têm consciência de que eles não
representam todos os estudantes, todos os professores e todos os funcionários da
universidade. Se eles discutiram e na dinâmica do movimento estudantil foi
decidido assim, não cabe a nós julgar.
Não sei, mas talvez eles se sintam desatendidos e não encontraram quem
intermediasse as suas reivindicações. Acho que [ocupar] foi uma atitude
extrema, mas toda esta politização amadurece e ensina. Todas as reuniões, estas
discussões, tudo isso esclarece a consciência dos atos dos alunos. Isso
amadurece a vida política da universidade e dos estudantes. Antes de avaliar se
é legítimo ou não, acho que vale olharmos a politização que o ato teve e em como
isso vai ficar na história da universidade.
CM - Existe um consenso dentre os professores de que utilizar a força policial
para fazer a desocupação da Reitoria é desnecessário?
Olgária - Os professores não querem violência na desocupação. O que não é
consenso é sobre a ocupação ou não da Reitoria. Há professores que crêem que
ocupar este prédio é um excesso de ativismo. Simbolicamente é um lugar muito
importante, é o lugar da autoridade, a Reitoria, que é necessária para coesão
de toda a vida universitária.
É claro que há muitos professores que não pensam que [a ocupação] é uma atitude
que deve ser promovida ao status de arma política ou forma de luta política.
Agora, parece que as últimas gestões da Reitoria e das direções dos cursos vêem
os estudantes como uma parte desprezível ou secundária na vida universitária. Na
verdade, a razão de ser da USP é a docência e a pesquisa, que não são duas
coisas separadas.
A docência existe, então é essencial existirem aulas. Eu acho que os estudantes
são a matéria nobre da instituição, e vejo uma desconsideração [da Reitoria].
Se a reitora Suely Vilela marca uma audiência pública e não pode aparecer
[primeira razão do protesto dos estudantes], ela deveria enviar alguém, um
representante. Os estudantes não estão [fazendo a ocupação] em uma causa vazia.
Eles querem defender a universidade. Em vários países do mundo, a universidade
está a salvo das ingerências policiais, porque ela é a única capaz de garantir
pensamento livre. As novas idéias não podem ser cerceadas.
Então você tem que responder intelectualmente ao movimento estudantil, que está
fazendo uma defesa da autonomia universitária. Não é só autonomia orçamentária,
mas é de pesquisa e de deliberações. É uma questão de filosofia política séria.
E mais: é uma questão de dignidade institucional. Não dá para inverter uma lei
que foi conquistada com muita luta dos docentes, depois de um longo período de
ditadura. Ou seja, estes decretos causam uma reação instantânea de quem entende
o que é a universidade.
A sociedade brasileira entende mal o papel de uma universidade, infelizmente.
Nosso país tem elites avarentas no seu conhecimento, que não querem
compartilhá-lo com a sociedade. A universidade é mal-entendida, por isso há
espaço para a reitora Suely não se dispor a negociar mais. Até agora, os
professores tentaram fazer algumas comissões para negociar com ela. Mas Suely
não recebe nem estes grupos, formados às vezes por professores universitários e
intelectuais renomados.
CM - A senhora acredita que os decretos de fato ferem a autonomia universitária?
Olgária - Claro que ferem! Só a idéia de ter um decreto já fere a autonomia. Não
dá para dizer o contrário quando existe uma rotina consolidada na universidade
mais importante da América do Sul, e que acaba alterada desta forma.
A universidade sabe o que faz, o que precisa e o que conduz. Ela presta
periodicamente contas ao governo, e sabe a dinâmica de seus cursos, de suas
publicações, de suas relações com docência, pesquisa, extensão, os congressos,
as relações com outras universidades, com o ensino superior estrangeiro. O
governo que está fora dela vai deliberar se o que a universidade faz está
correto ou não, se tem qualidade ou não?
O governo é uma instância burocrática político-administrativa externa à
universidade, que tem que dialogar. Mas não é na forma de decreto que se cria
esse diálogo. Fazer os decretos é uma expropriação das práticas e consciência
universitária, isso é gravíssimo.
Estamos vivendo o fim da universidade pública, gratuita e de qualidade. Não é um
ataque isolado. Trata-se de um processo maior do que o governo de José Serra
(PSDB-SP), que é só um emissário desta situação [de mercantilização] das
universidades."
26 de mai. de 2007
Entrevista com Olgaria Matos
Postado por Parou parou às 18:33
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3 comentários:
Obviamente é possível fazer uma leitura muito generosa dos decretos e,
partindo do princípio que as autoridades estão sempre com a razão (ou
porque votamos no governador ou porque o achamos um cara muito
batuta), depreender que eles não terão nenhuma conseqüência ruim. Por
outro lado, também é possível lê-los com o rigor com que se espera da
administração pública, e daí ver que de fato está se tentando influir
no funcionamento das universidades.
Ainda não tive tempo de ler todos os decretos, mas apenas em um deles
-- o 51461, que organiza a Secretaria de Ensino Superior) já é
possível ver problemas.
O artigo 2o. deste decreto determina que caberá à Secretaria, entre
outras atribuições, a proposição de políticas e diretrizes para o
ensino superior EM TODOS OS SEUS NÍVEIS. Também é sua atribuição a
"ampliação das atividades de pesquisa, PRINCIPALMENTE AS OPERACIONAIS,
objetivando os problemas da realidade nacional". Parece-me claro que
há a intenção (1) de dirigir as atividades das universidades,
determinando políticas e diretrizes e (2) dirigir a pesquisa acadêmica
para áreas consideradas prioritárias pelo governo (e que, por sinal,
mostra que não está disposto a investir nada em ciências humanas).
Ainda que o Parágrafo Único do artigo 2º do decreto ressalve a
observância e respeito à autonomia universitária, eu me pergunto como
isso se coaduna com o corpo do referido artigo, pois se o
direcionamento é dado pelo executivo, como as universidades poderão
fazer outra coisa?
As universidades são consideradas ENTIDADES VINCULADAS à Secretaria
(Art. 3o., parágrafo único). Por todo o decreto, os responsáveis
nominados por qualquer movimentação são os órgãos burocráticos dela.
Em nenhum momento é feita a ressalva de que as Universidades não
precisam da aprovação do secretário para, por exemplo, transferir
recursos da rubrica de Capital para Custeio ou Pesquisa e Extensão.
Exemplificando melhor: em seu capítulo VII, Art. 24, inciso II, alínea
"m", o decreto estabele que está entre as atividades da Secretaria
"APROVAR os planos e programas de trabalho DAS ENTIDADES VINCULADAS à
Secretaria, face às políticas básicas traçadas pelo Estado no Setor".
Ora, se as universidades públicas são entidades vinculadas e a
Secretaria executa a política do governador, e é a Secretaria que os
planos das universidades, não vejo onde está a autonomia.
O decreto também remete a uma série de leis, que, se tomadas em seu
inteiro teor - e não pode ser de outra forma - levam à conclusão de
que qualquer contratação, movimentação de material, ativos, etc,
dependem de autorização do secretário. Segundo um amigo que está
acompanhando isso de perto, foi assim que o próprio secretário Pinotti
questionou a "alegação" de que as universidades estavam perdendo
autonomia e que não poderiam contratar professores se precisassem:
"Estão alegando que não poderão contratar professores conforme a
necessidade das unidades. Mentira. EU ACABEI DE AUTORIZAR A
CONTRATAÇÃO DE 1.900 PROFESSORES! ". Bom, ou os professores serão
remunerados com verba adicional àquela prevista para as Universidades,
ou o simples fato de que agora é ele quem *aprova* contratações que
antes eram atribuição excluiva dos órgãos da universidades já
configura violação da autonomia.
Finalmente, outro problema é que, nas disposições finais,
estabelece-se que as atribuições das unidades e as competências das
autoridades poderão ser detalhadas mediante resoulção do Secretário de
Ensino Superior. Isso é muito vago. O que ele REALMENTE pode atribuir?
Quais as limitações? Falta algo que é fundamental em qualquer
legislação: além de determinar campos de atuação, quais são os LIMITES
DA ATUAÇÃO? Ou seja: o que NÃO PODE SER FEITO? Isto não está claro.
Por isso continuo contrário a esses decretos. Aliás, tenho certeza que
se o governador fosse o Mercadante e ele tivesse tido essa mesma
iniciativa, muita gente que está achando que o governador está certo
estaria acusando o "aparelhamento" e a "censura" da universidade pelo
PT. Aparentemente, o fato de o governador ser do PSDB tem levado a
interpretações um tanto lenientes de fatos que são bastante graves.
Obviamente é possível fazer uma leitura muito generosa dos decretos e,
partindo do princípio que as autoridades estão sempre com a razão (ou
porque votamos no governador ou porque o achamos um cara muito
batuta), depreender que eles não terão nenhuma conseqüência ruim. Por
outro lado, também é possível lê-los com o rigor com que se espera da
administração pública, e daí ver que de fato está se tentando influir
no funcionamento das universidades.
Ainda não tive tempo de ler todos os decretos, mas apenas em um deles
-- o 51461, que organiza a Secretaria de Ensino Superior) já é
possível ver problemas.
O artigo 2o. deste decreto determina que caberá à Secretaria, entre
outras atribuições, a proposição de políticas e diretrizes para o
ensino superior EM TODOS OS SEUS NÍVEIS. Também é sua atribuição a
"ampliação das atividades de pesquisa, PRINCIPALMENTE AS OPERACIONAIS,
objetivando os problemas da realidade nacional". Parece-me claro que
há a intenção (1) de dirigir as atividades das universidades,
determinando políticas e diretrizes e (2) dirigir a pesquisa acadêmica
para áreas consideradas prioritárias pelo governo (e que, por sinal,
mostra que não está disposto a investir nada em ciências humanas).
Ainda que o Parágrafo Único do artigo 2º do decreto ressalve a
observância e respeito à autonomia universitária, eu me pergunto como
isso se coaduna com o corpo do referido artigo, pois se o
direcionamento é dado pelo executivo, como as universidades poderão
fazer outra coisa?
As universidades são consideradas ENTIDADES VINCULADAS à Secretaria
(Art. 3o., parágrafo único). Por todo o decreto, os responsáveis
nominados por qualquer movimentação são os órgãos burocráticos dela.
Em nenhum momento é feita a ressalva de que as Universidades não
precisam da aprovação do secretário para, por exemplo, transferir
recursos da rubrica de Capital para Custeio ou Pesquisa e Extensão.
Exemplificando melhor: em seu capítulo VII, Art. 24, inciso II, alínea
"m", o decreto estabele que está entre as atividades da Secretaria
"APROVAR os planos e programas de trabalho DAS ENTIDADES VINCULADAS à
Secretaria, face às políticas básicas traçadas pelo Estado no Setor".
Ora, se as universidades públicas são entidades vinculadas e a
Secretaria executa a política do governador, e é a Secretaria que os
planos das universidades, não vejo onde está a autonomia.
O decreto também remete a uma série de leis, que, se tomadas em seu
inteiro teor - e não pode ser de outra forma - levam à conclusão de
que qualquer contratação, movimentação de material, ativos, etc,
dependem de autorização do secretário. Segundo um amigo que está
acompanhando isso de perto, foi assim que o próprio secretário Pinotti
questionou a "alegação" de que as universidades estavam perdendo
autonomia e que não poderiam contratar professores se precisassem:
"Estão alegando que não poderão contratar professores conforme a
necessidade das unidades. Mentira. EU ACABEI DE AUTORIZAR A
CONTRATAÇÃO DE 1.900 PROFESSORES! ". Bom, ou os professores serão
remunerados com verba adicional àquela prevista para as Universidades,
ou o simples fato de que agora é ele quem *aprova* contratações que
antes eram atribuição excluiva dos órgãos da universidades já
configura violação da autonomia.
Finalmente, outro problema é que, nas disposições finais,
estabelece-se que as atribuições das unidades e as competências das
autoridades poderão ser detalhadas mediante resoulção do Secretário de
Ensino Superior. Isso é muito vago. O que ele REALMENTE pode atribuir?
Quais as limitações? Falta algo que é fundamental em qualquer
legislação: além de determinar campos de atuação, quais são os LIMITES
DA ATUAÇÃO? Ou seja: o que NÃO PODE SER FEITO? Isto não está claro.
Por isso continuo contrário a esses decretos. Aliás, tenho certeza que
se o governador fosse o Mercadante e ele tivesse tido essa mesma
iniciativa, muita gente que está achando que o governador está certo
estaria acusando o "aparelhamento" e a "censura" da universidade pelo
PT. Aparentemente, o fato de o governador ser do PSDB tem levado a
interpretações um tanto lenientes de fatos que são bastante graves.
Obrigado pelo seu comentário, anônimo! Eu também estou lendo os decretos e encontrando falhas e mais falhas que, na verdade, eu me pergunto se não deveraim ser chamados de 'atos-falhos' do governo Serra.
Outra: por mais que ele DIGA que não vai mexer na autonomia, o que vale é o que está ESCRITO nas leis!
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