22 de mai. de 2007

Entrevista de Pinotti na Carta Maior

Retirado do portal Carta Maior, publicado no dia 15/05/2007.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14113

Para Pinotti, ‘mentiras’ permeiam críticas aos decretos em SP

José Aristodemo Pinotti, secretário de Ensino Superior em São Paulo, chama de ‘mentirosas’ as críticas da comunidade acadêmica aos cinco decretos do governo relacionados às universidades. ‘Falar genericamente de decretos é fácil’, diz.

SÃO PAULO – O secretário de Ensino Superior de São Paulo, José Aristodemo Pinotti, concedeu uma entrevista a respeito do cabo-de-guerra que vêm sendo travado pelo governo estadual com as universidades paulistas (USP, Unesp e Unicamp) desde o começo do ano.

A disputa tem a ver com cinco decretos do governador José Serra (PSDB), que haviam dado a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Paulistas (Cruesp) e que fixaram normas orçamentárias para as três universidades, o que pode engessar o manejo de verbas para compra de material para as aulas e reformas de edifícios.

A comunidade acadêmica, no geral, teme que os decretos ameacem a autonomia universitária. A posição está refletida em alguns artigos publicados na imprensa pelos próprios reitores, em protestos organizados pelos sindicatos de funcionários nas universidades e nas duas ocupações estudantis aos prédios das reitorias.

Os estudantes na ocupação da reitoria da USP, que começou há onze dias, querem que a reitora Suely Vilela se posicione com relação aos decretos, além de atender outras exigências. Eles pedem mais vagas para a moradia estudantil. Até o momento, a postura de Suely tem sido a de dialogar e não mover um despejo forçado contra os estudantes. “A reitora tem trabalhado a questão com muito bom-senso”, afirma Pinotti.

Vários diretores de unidade são a favor de uma ação policial, e um documento falso, que circulou na segunda (14) e foi atribuído à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), endossou a posição. Na nota, o órgão ameaçava, além do despejo, mover um processo contra os estudantes que estão na reitoria.

Procurada pela Carta Maior, a PGE nega que tenha intenção de cumprir qualquer uma das duas medidas. “Não sabemos quem escreveu e divulgou o documento”, afirmou uma assessora. A Secretaria de Ensino Superior preferiu não se pronunciar, já que poderia interferir em uma questão de autonomia das universidades.

Pinotti, que foi reitor da Unicamp entre 1982 e 1986, rebate acusações contra o governo estadual, ao dizer que “não há nada de concreto nessa crítica aos decretos”. Para ele, a única medida que poderia interferir na autonomia universitária foi sua nomeação para o Cruesp, que já foi revogada.

“É muito fácil montar verdades em cima de mentiras e propagá-las. Agora é um pouco mais difícil dialogar de maneira informada”, afirma o secretário, que é professor titular de Medicina na USP e na Unicamp. Pinotti já foi secretário de Educação na gestão de Franco Montoro (1983-1987), e hoje está licenciado do cargo de deputado federal pelos democratas (ex-PFL).

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Carta Maior – Os decretos assinados pelo governador José Serra, acerca do ensino superior, não poderiam ter sido aplicados gradualmente e discutidos com a comunidade universitária?
José Aristodemo Pinotti - Em primeiro lugar, as universidades paulistas sempre estiveram ligadas às secretarias de governo. De início elas estavam submetidas à secretaria da Casa Civil. Por decreto, elas foram transferidas para a pasta de Ciência e Tecnologia e na época não houve problemas. Agora que o governo de José Serra criou a Secretaria de Ensino Superior, que é um gesto de valorização às universidades públicas, está se dizendo isso.
Quero que você me aponte uma medida que visa criar preocupação para as universidades. Falar genericamente de decretos é fácil. A pergunta que eu faço é qual decreto interfere com política de pesquisa, proibição de contratação de professores, tiragem de dados da universidade. É um conjunto absolutamente de mentiras que visam tão-somente em cima disso fazer um processo político. Não há nada de concreto.

CM - Um dos decretos, o de 51.471, veda a contratação de novos funcionários no Estado. Isso não prejudica a universidade?
Pinotti - Mas é mentira! O governador vetou a admissão de novos funcionários, com exceção daqueles para as universidades públicas. Quando fui a uma conferência na Unesp de São José do Rio Preto, um estudante levantou a mesma questão. Eu mesmo disse que não era verdade, que isso estava claro.

CM - O senhor não acha que os decretos ferem a autonomia universitária?
Pinotti - Claro que não! Toda vez que eu me encontro com alunos e professores e pergunto sobre como os decretos ferem a autonomia universitária, eles entram mudos e saem calados.
É muito fácil montar verdades em cima de mentiras e propagá-las. Agora é um pouco mais difícil dialogar de maneira informada. Não tem nada, zero, neste debate sobre autonomia universitária. Ela está garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal. Ela foi enriquecida em 1989 com a vinculação orçamentária.
Por acaso eu estava no governo naquela época e fui um dos que lutou por essa vinculação. É uma das coisas mais constrangedoras ter que responder que eu estou atacando uma coisa que eu criei e na qual eu acredito. Porque as três universidades estaduais são as melhores do Brasil, se a autonomia universitária é constitucional? É porque existe a vinculação orçamentária.
Alguém está mexendo com isso? De jeito nenhum, nem se pensou em mexer. Pelo contrário, o governo fez um grande esforço para colocar a vinculação na Lei Orçamentária, que não constava nela até fevereiro.

CM - O senhor diz ser favorável à vinculação orçamentária, mas as universidades estaduais se mobilizam há anos para aumentar o valor vinculado. Se a comunidade universitária vier a fazer protestos de novo em 2007, como ocorreu há dois anos atrás diante do veto imposto por Geraldo Alckmin (PSDB), o senhor vai apoiar o aumento da vinculação?
Pinotti - Eu sou totalmente favorável à vinculação de dinheiro para saúde, educação, pesquisa, para educação superior. Participei ativamente da elaboração da Emenda 29 à Constituição, que foi feita pelo Congresso Nacional enquanto eu estava lá. Não só sou favorável no discurso como fui favorável na atuação prática.
Agora, tudo tem limite. Você tem 25% de vinculação para educação no estado de São Paulo, sendo que 9,57% estão destinados ao ensino superior. O governo estadual tem que ter algumas outras atitudes, não dá para fazer tudo vinculado.
Quer saber qual a forma de melhorar o percentual de recursos para todos os setores públicos? Basta o governo federal diminuir o pagamento dos juros da dívida pública líquida. Em 2006, a União pagou 44% de seu orçamento para os juros. Se diminuir pela metade os juros da dívida, é possível dobrar o repasse do orçamento para a educação.

CM - Como o senhor reage às ocupações estudantis, primeiro na reitoria da Unicamp e agora na USP? E como a Secretaria de Ensino Superior vai encarar uma greve no ensino superior público paulista, que é iminente?
Pinotti - Eu festejo sempre a vitalidade política dos estudantes, mas não neste caso. Tudo tem limites. A ocupação de um prédio público com o prejuízo do funcionamento é uma coisa descabida. Não tem sentido.
A reitora Suely tem trabalhado a questão com muito bom-senso e fez bem em não chamar a força policial para fazer a desocupação. Acho que precisamos de uma atitude de gente madura frente a uma juventude que quer recuperar o seu poder de discutir política. Eles também têm que ser instruídos, precisam de ação pedagógica para evitar que façam exageros, porque isso [de ocupar a reitoria] não vai levar a nada.

CM - E no caso de haver uma greve na USP?
Pinotti - Não há razões que sustentem uma greve. As outras reivindicações dos estudantes são preocupações da própria universidade. As instituições já gastam em torno de 10% a 20% de seu orçamento com auxílio estudantil.
Há coisas que podem ser melhoradas, como moradia, mas é preciso um certo equilíbrio nisso. Os estudantes das três universidades públicas têm que lembrar que eles são cidadãos com razoável privilégio diante dos que não conseguiram entrar. O aluno pobre que vai para a universidade privada nem pensa em pedir uma moradia para a instituição. Ele tem que pagar para estudar. Então tem que haver uma certa consciência social dos estudantes.
Os estudantes têm que botar a mão na consciência e defender teses mais interessantes. Por que não lutam pelo aumento de vagas para estudantes pobres? Ou para romper com a barreira do vestibular, que é mais econômica do que uma avaliação de habilidade ou de talento?
Estas são teses boas, mais do que inventar decretos contra a universidade, porque [eles] não existem.

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